domingo, 24 de abril de 2011

Bebi como se não houvesse anteontem para daqui a três dias, e naquele estado em que sua pele começa a desgrudar levemente da cabeça e sua boca sobe quando o resto do rosto desce e vice-versa saí feliz as gargalhadas junto com algum outro bêbado que devo conhecer já que estava na mesma mesa e nós só bebemos entre amigos. Enquanto o fantasma enevoado por uma neblina que sinceramente não deveria aparecer em uma noite como essa jurava que poderia dirigir qualquer automóvel mas que preferia encontrar o dele para que desse carona sem reclamações posteriores eu seguia subindo degraus que eventualmente poderiam estar naquela calçada caso a rua não fosse tão plana. Desconfiado da prefeitura que sempre fui segui por segurança levando meu joelho quase a altura do terceiro molar porque não caio nessa do degrau surpresa, orgulhoso por controlar a própria perna devo ter demorado coisa de cinco quarteirões para decorar mentalmente uma frase de minha autoria mas que no caminho até a boca se perdia, provavelmente culpa da neblina. Pelo quinto quarteirão devo ter conseguido terminar o monólogo de rara beleza “zeiandargaralho”, que dito com a entonação e o tempo certos é poesia pura. Nunca fui tão agradecido aos portões e árvores e placas de esquina e postes e a uns dois balcões de guardadores de carro, já que sem eles, minha jornada até aqui teria sido vã. Agradeço também aos plantadores de agave, ao prefeito que de sopetão aplainou a rua, à minha dentista que fez um trabalho perfeito no terceiro molar e ao bêbado blur desconhecido, que seja quem for e onde estiver, merece que anteontem seja retirado do calendário para sempre.