segunda-feira, 27 de junho de 2011

O cheiro, o cabelo, a cor da parte onde não havia biquíni, a cor da parte onde havia biquíni, o início dos dedos dos pés aparecendo por pouco antes que o couro do salto alto começasse, as coxas, as costas, a bunda, as cicatrizes, o cheiro maravilhoso, os pelos aparados com a mão puxando e as unhas vermelhas, inchada, escorrendo e respirando. Inversamente proporcional ao trabalho que dava, baixou armas quando me abraçou. Redigi o documento onde me autorizava a fazer exatamente tudo que ela havia feito na vida, com quem eu bem entendesse, estando com ela, pedi firma reconhecida por cartório idôneo, que só falássemos depois disso. Sumiu levando almoços de domingo insuportáveis, os presentes que embrulham intenções e cobranças, o pé inchado e a depressão pós-parto, fraldas e traições, frigidez e birras, o ciúme e o tédio e o olhar de desdém pelo salário que seria sempre, em algum momento, pouco. Infelizmente levou junto o cheiro e os cabelos, finos e lindos, negros como seria também meu futuro.

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Bons e maus são sempre farinha do mesmo saco. Dizem que não. Bebedeira, demência ou estupidez, posso provar. Os maus querem matar os bons, ou deixá-los humilhados, sem emprego, sem amor, sem dignidade, esfolar na cara deles a mania da bondade, irritante para todo ser obscuro. Querem que não sobre nenhum vivo, ou pelo menos que sobrem sem possibilidade de atrapalhar qualquer plano sórdido. No fundo devem ter tanto medo da própria incapacidade que criam grupos, associações, pactos, maneiras de brecar qualquer desenvolvimento natural, qualquer talento genial, tudo para controlar a realidade, colocar filhos idiotas em cargos idiotas, casar com mulheres idiotas, frequentar festas idiotas e ter conversas idiotas. Enfim plano do mal é se conservar, ainda que idiota. O plano do bem, que tem tanto medo da própria sombra, é conservar o bem, e também o mal, já que o bem inclui a alma caridosa que deixa o mal se conscientizar, a seu tempo, de que é mal, e evoluir, supostamente, para algum tipo de bem, ou pelo menos um bonsai de mal. O plano do bem então é se manter bom, e ainda manter o mal, caso ele resolva melhorar, seria de bom-tom, e além do mais quem é de bem morre de medo do mal e não quer meter a mão na cumbuca da lama. O plano do bem é se conservar e, portanto, conservar a possibilidade de evolução do mal, bondade suprema, ainda que no fundo o motivo seja o mesmo medo que o mal tem da própria incapacidade, somada à inépcia completa descrita como magnanimidade, e um cu na mão de esfolar a cara de alguém mal povo que se sabe tem uma turma grande e pode se irritar. O espírito não, veja. Diferente do bom e do mal, o espírito não é, e nunca foi, ou será jamais, conservador. O espírito é revolucionário. E claro, para criar, temos sempre que ter algum espaço na bancada, caso em que a garotada do bem e do mal, um pouco de cada timinho, deve virar fumaça verde limão, calço de mesa ou adubo. Eventualmente farinha de osso, você sabe, todo animal precisa de cálcio.

domingo, 19 de junho de 2011

Os sinônimos continuam iguais uns aos outros, e muitos às vezes fazem algo de diferente, quase sempre igual a algum diferente que outro sinônimo elegeu como mais igual que o resto. Qualquer sinônimo sabe que isso deve ser calculado, “não devemos correr riscos à toa igual a muitos insensatos que vagam arrependidos pelo acostamento”. Naturalmente ser um sinônimo como qualquer outro não é simples, caso de usar as mesmas roupas, casar com as mesmas mulheres, fazer a mesma barba e ganhar o mesmo salário, acordando à mesma hora e comendo no mesmo refeitório, pegando o mesmo ônibus ou o mesmo carro e seguindo pela mesma estrada sem jamais parar no acostamento, caso em que se teria que pensar no caminho. Não devemos correr riscos, fora aqueles riscos que todos corremos, enquanto sinônimos, riscos que nossos iguais já aceitaram e testaram, não precisaremos dar explicações em casamentos ou batizados, péssima hora para explicações porque a água está fria e a criança grita sem parar. Ainda assim temos que ir ouvir os berros, é uma longa tradição dos sinônimos, seria de péssimo tom perguntar que graça ou propósito aquilo tem, como se a vida fosse para ter graça ou propósito. Todos sabemos que temos as mesmas contas a pagar dos mesmos apartamentos, temos impostos das mesmas vagas da garagem e temos que avisar que os mesmos elevadores quebraram nos mesmos andares, insuportável o mesmo perfume que a mesma senhora insiste em impregnar na mesma fórmica imitando a mesma madeira. Passa pela cabeça apertar emergência, ligar o ventilador, tocar o alarme ou chamar a portaria, mas como todos sabemos mais seguro é apertar o mesmo andar.


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A teoria é a de que o corno não é algum tipo de acréscimo a sua cabeça. É sua chegada à normalidade, adorno que faltava à sua testa, consciência de ser inconsciente das obviedades próximas a você; ainda mais próximas a alguém cuja existência você supostamente deveria desconhecer. Anormal seria não ter essa experiência. Um ser completo, a certeza e a total desinformação dentro de um mesmo corno. Estranhos são os mochos, aqueles a quem ainda faltam um par de coisas. Obviamente esse é o ponto de vista de alguém que teve (ou tem) a sombra pontiaguda.

domingo, 5 de junho de 2011

As aulas de quarta são o que existe de melhor. Ninguém sabe se há possibilidade de uso daquele tipo de informação em uma vida terrena, mas nada tão útil como perder o tempo supostamente precioso. Não se pergunta para que serve o jazz. O jazz você perceba, é. Notei pela curva da testa em continuidade matemática se transformando em palha, que, de qualquer ângulo que se olhe, Amálio não usa chapéu. Como aquele tipo de pianista cujo cérebro já não reconhece mais o que é mão ou tecla, ninguém sabe o que é chapéu ou Amálio, pensamento ou assombro. Pelas curvas que eram cabeça e agora não, é óbvio para as crianças que o chapéu do homem não existe, engulam o choro; coelho poesia ou riso nervoso, aceitemos a verdade, algumas cartolas são feitas de mato.


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“Perto de jururu a palavra triste é de absoluta má qualidade.”

“Uma expressão boa no Chile para esse tipo de gente é: esse cara caga de perna cruzada.”

“Devemos praticar sempre algum tipo de obscenidade ativa.”

“Vibro muito quando um condomínio fechado é assaltado.”

“Aí o motorista me disse: foi nesse rio aí, a sucuri comeu o dentista. Perceba o humor acachapante dessa frase.”


Não sei se reconheceram o corpo do dentista pela arcada ou se pela cadeira reclinável e com iluminação envolta em magipack, o que obviamente deve ter causado alguma indigestão à cobra, mas acontece que não é possível inventar esse tipo de coisa. O homem, como eu disse antes, é gênio, estão aí palavras dele, dando com a língua nos dentes o que já era de velho absoluta certeza.